Cidades Inteligentes | PARTE 2
Na semana passada, iniciei uma jornada sobre ESG – Ambiental (Environmental), Social e Governança (Governance) dentro do Modelo e do contexto das Cidades Inteligentes. Falei sobre como a governança ética, a sustentabilidade ambiental e a inclusão social são pilares para o futuro urbano. Hoje, avanço para um ponto crucial e, muitas vezes, negligenciado: a valorização das soluções locais.
“Com a seriedade de quem acredita que a transformação ESG começa onde estamos”; afirmo sem medo de errar que a SOLUÇÃO quase sempre está a um ‘palmo’ de nós!!
Em um país continental como o Brasil, a inovação não está apenas nos grandes centros tecnológicos. Ela pulsa em garagens, laboratórios universitários, cooperativas, startups e pequenas empresas espalhadas por cidades de todos os tamanhos. E partindo do entendimento da grande capacidade criativa do brasileiro…
…e é, justamente, aí que reside o potencial transformador do ESG aplicado ao Modelo Cidades Inteligentes: a capacidade de reconhecer, apoiar e escalar soluções que nascem nas próprias cidades.
O brasileiro não é simples de entender, mas é fácil de ser percebido como acolhedor, resiliente e muito (mas muito) criativo. Quando se percorre bairros ou municípios fora das rotas de fácil acesso as facilidades tecnológicas, se consegue vivenciar – na prática – o “Professor(a) Pardal” que nasce de uma dor ou dificuldade local. Seja um(a) estudante do ensino médio, seja um professor(a) muito criativo(a) ou um semianalfabeto que consegue entender de física e química melhor que aluno doutorando, e cria engenhocas que facilitam seu dia a dia de trabalho, por exemplo. Temos naturalmente uma mente que busca por conexões e soluções na simplicidade do que se tem na mão…
…do barro se faz tinta natural, com uma caixa, um ventilador velho e dois, três canos e uma tampa velha de panela grande com pedaços de espelho colados dentro… se tem um ar-condicionado movido a energia solar!! Imagine com os recursos suficientes e a orientação certa!?!?
Realmente, o brasileiro devia ser estudado pela Nasa…
Então, o que falta para a gente acordar?? Deixo esta resposta para cada um pensar. E vamos adiante…
Tecnologias simples, soluções poderosas
O conceito e a ideia de Cidade Inteligente as vezes é associada a sensores, big data, inteligência artificial e infraestrutura de ponta. Mas a inteligência urbana também pode estar em soluções simples, práticas e locais, que resolvem problemas reais com eficiência e a custos acessíveis e realistas para todos os tamanhos de municípios. Inclusive, a maioria dos exemplos que trago já estão em operação há mais de 5, 8, 10 anos ou 15 anos. Ou seja, se já estão operando com resultado. Daí pergunto: por que o gestor público não consegue agir com inteligência no processo ao invés de (quase sempre) ficar “criando pêlo em ovo”!? Pseudo-soluções que saem MUITO caro e em 80% (sendo simpática) não conseguem resolver o problema inicial; e ao final, a cidade sai com 2 ou 3 problemas a mais… (além do 1º que também não foi resolvido).
Mas vou focar nas boas-práticas e nos exemplos que já deram – efetivamente – frutos nos últimos 10 anos.
Veja alguns exemplos:
– Horus (Florianópolis/SC): uso de drones conectados via satélites para monitorar desmatamento urbano e ocupações irregulares. A Prefeitura de Florianópolis conseguiu antecipar irregularidades com até um ano de vantagem. O uso dos drones, foi utilizado – entre 2020 e 2021, e fez parte do projeto Monitora Floripa, quando realizaram mais de 3.000 operações com sobrevoos de drones.
– Lemobs (Maricá/RJ): utilizou tecnologia para evitar desperdício na merenda escolar, conecta escolas públicas à agricultura familiar, otimizando a merenda escolar com dados nutricionais dos alunos. O projeto começou em 2023 com uma pesquisa online com mais de 4 mil estudantes da rede pública da Prefeitura de Marica, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
– Bumerangue Tecnologias Ambientais (Porto Alegre/RS): tratamento de resíduos hospitalares dentro dos próprios hospitais, gerando papel higiênico, adubo e energia. Na Santa Casa de Porto Alegre, a Bumerangue reciclou mais de 1,6 mil toneladas de resíduos em 10 anos.
Essas iniciativas mostram que a inovação não precisa ser cara, nem distante. Ela precisa ser relevante.
Além de deixar claro que, quando há interesse os problemas são solucionados mesmo diante de toda a complexidade que está inerente em conduzir ações para uma comunidade inteira.
Nada é fácil, na gestão de uma cidade. E é, justamente, diante desse cenário que o Público e o Privado se entremeiam, pois, um não coexiste sem o outro. É muito importante se entender que todos nós cidadãos, somos o Público e o Privado. Então, a responsabilidade das consequências boas ou ruins todos temos sempre uma parcela.
Entenda também que, todas as nossas escolhas de consumo e de gestão da nossa casa e empresas impactam diretamente a todos também.
Economia Circular: sustentabilidade com renda e inclusão
A economia circular é um dos pilares do ESG e sendo assim, ela propõe um modelo em que os resíduos viram insumos, os produtos são reaproveitados e o ciclo produtivo se fecha com menor impacto ambiental, e logo em seguida outro novo produto é criado. Além de gerar novas oportunidades para a criação de novos negócios e empregos, este modelo circular gera uma ação Virtuosa de impacto…
De forma didática, podemos entender a economia circular como:
- Redução: menos extração de recursos naturais.
- Reutilização: aproveitamento de materiais descartados.
- Reciclagem: transformação de resíduos em novos produtos.
- Regeneração: retorno dos insumos à natureza de forma sustentável.
Trago exemplos de ações práticas em 10 cidades brasileiras que tiveram êxito. Veja:
Região |
Cidade |
Iniciativa Circular |
Norte |
Carauari-AM |
Reaproveitamento de vísceras de peixe e farinha de mandioca para ração de tartarugas |
Norte |
Belém-PA |
Cooperativas de reciclagem com apoio municipal e geração de renda local |
Nordeste |
Salvador-BA |
Telhas ecológicas feitas com resíduos plásticos e alumínio |
Nordeste |
Recife-PE |
Reciclagem de latas de aço com cooperativas parceiras |
Centro-Oeste |
Campo Grande (MS) |
Criação de hortas urbanas com compostagem de resíduos de feiras livres |
Centro-Oeste |
Goiânia/GO |
Projeto de compostagem comunitária com apoio de universidades locais |
Sudeste |
Vinhedo/SP |
Programa Cidades Circulares com aumento de renda e valorização do plástico |
Sudeste |
Santos/SP |
Reciclagem de redes de pesca abandonadas para produção de mobiliário urbano sustentável |
Sul |
Caxias do Sul/RS |
Transformação de resíduos têxteis da indústria local em isolamento térmico para habitações populares |
Esses exemplos mostram que a economia circular não é apenas uma teoria ambiental. Ela é uma estratégia econômica, que gera emprego, renda e inclusão social, além de reduzir o impacto ambiental.
Legislação seus avanços e lacunas
O Brasil tem avançado em marcos legais que favorecem o ESG. Destaco quatro que são importantes como balizadores de atitudes, nos conduzindo para a clareza dos limites:
- Lei Anticorrupção (12.846/2013): fortalece a governança corporativa.
- Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018): garante transparência e ética no uso de dados.
- Resolução CVM 59/2021: exige divulgação de indicadores ESG pelas empresas listadas.
- Decreto nº 12.210/2024: orienta projetos de cidades inteligentes com foco em inclusão digital e proteção de dados.
Contudo, ainda há lacunas importantes que devem ser preenchidas urgentemente. Mas com o cuidado para não tornar o que está fluindo hoje em um ‘Frankenstein’…
A falta de incentivos fiscais para startups de impacto social é um fato: E, as vezes, quando há não consegue alavancar de forma a sustentar o negócio/ideia para conseguir se firmar.
A ausência de políticas públicas que conectem universidades a prefeituras: Há projetos isolados, mas que não surtem efeito de fato e quando muda o gestor(prefeito) quase tudo é descontinuado. Esse ‘Modus Operandi’ precisa acabar.
Pouca regulamentação sobre logística reversa em pequenas cidades: Essa realidade não faz qualquer sentido, pois, deveria ser – justamente – o contrário. Por ser pequeno, a priori o desenho desse logística deveria ser mais fácil de operar.
Baixa integração entre planos diretores urbanos e metas ESG: Esta é de todas as lacunas a mais irônica na minha visão. Não faz sentido se debater Cidades Inteligentes sem que a gestão pública esteja comprometida de Fato. Ações isoladas não fazem a mudança de Mentalidade necessária entre o Público e o Privado que compõem esse Modelo.
Sem aplicar ESG no dia a dia, no cotidiano de como gerir uma cidade, de como conduzir as decisões como obras viárias, de iluminação, de infraestrutura, de cabeamento de conexão á internet ou de saneamento básico, o Modelo Cidade Inteligente não se torna palpável de Fato, apenas em poucas ou algumas partes…
Entenda…A legislação abre caminhos, mas não caminha sozinha.
A estrada está pavimentada. Mas quem vai caminhar?
A transformação urbana não depende apenas de leis. Ela depende de vontade, ação e compreensão.
Uma inovação só soluciona um problema quando é entendida e aplicada. E um problema só deixa de existir quando há um real desejo de resolvê-lo.
Cidades inteligentes não são feitas apenas de tecnologia. São feitas de pessoas inteligentes. De cidadãos que reciclam, de empreendedores que ousam, de gestores que escutam, de professores que ensinam, de jovens que QUEREM aprender para criarem.
A lei pavimenta a estrada. Mas os passos são nossos.
Entenda que…
Pensar o futuro é também agir no presente. Agora!
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KÁTYA DESESSARDS é Jornalista, Conselheira e Mentora em ESG e Comunicação Estratégica. Co-Autora no livro: Gestão! Como Evoluir em uma Nova Realidade?. Experiência de 27 anos em diversos setores do mercado. | Quer Saber Mais? CLICK AQUI
>> A coluna semanal fonteESG é publicada as segundas-feiras.
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